segunda-feira, 13 de junho de 2011

A ciência da incerteza

“A medicina é a ciência da incerteza e a arte da probabilidade”
Dr. William Osler


O Dr. Bernard Lown - professor emérito de cardiologia da Escola de Saúde Pública de Harvard e médico do Hospital Brigham para Mulheres, em Boston - recebeu em 1985, o prêmio Nobel da Paz em nome da Associação Internacional de Médicos para a Prevenção da Guerra Nuclear, entidade da qual é co-fundador. Em seu livro “A Arte Perdida de Curar”, o Dr Lown faz um relato extremamente corajoso e sincero: “Grandes mestres moldaram minhas ideias sobre a tarefa do médico, destacando-se principalmente o Dr. Samuel Levine... embora ele fosse fadado a ser meu mentor e paradigma profissional, permiti que minha arrogância juveni l me dominasse e concluí que o velho Levine tinha pouco a me oferecer... Mas, logo se tornou difícil evitar admitir a minha inércia como clínico. Era óbvio o contraste existente entre a reação dos doentes do Dr. Levine e a dos confiados aos meus cuidados. Ele, com pequeno conhecimento da fisiopatologia aplicável, receitava poções não testadas e o paciente melhorava, se recobrava e recuperava a saúde, ao passo que eu, repleto dos últimos descobrimentos relatados no New England Journal of Medicine, não conseguia tais resultados”.
            Que interessante! Como pode “Poções não testadas”- não submetidas a teste de significância estatística, aos rigores da ciência-, servirem melhor aos pacientes do que os conceitos verdadeiramente determinados pelo método científico? Será que estes pacientes não sabiam que o que a ciência comprova e publica em revistas científicas é lei, é verdade, e deve ser seguido à risca sobre pena deles não se curarem?
            Ora, é claro que se Pilatos conhecesse o método científico, a pesquisa, os testes t de Student, as regressões logísticas, as análises multivariadas, etc. etc. ele não teria perdido tempo perguntando a Cristo: “Que é verdade?”. A verdade é a ciência e pronto! Ela é tão verdadeira, que até 1980, os médicos tinham certeza de que a principal causa da úlcera péptica gastroduodenal era o estresse. Havia até um aforismo aprendido por todos: “Sem ácido, não há úlcera!”. E inúmeras foram as dissertações de mestrados e teses de doutorados, publicadas em revistas de renome internacional, fazendo a apologia ao tratamento cirúrgico da úlcera péptica. Eu mesmo (que Deus e, principalmente, os me us pacientes me perdoem), durante a minha residência de cirurgia, operei diversos doentes ulcerosos... Mas, um dia, a verdade, cientificamente comprovada e publicada, foi ousadamente questionada por dois médicos australianos, os Drs. Barry Marshall e Robin Warren: “Nada do que se sabe da origem das úlceras é verdade; elas são causadas por uma bactéria, o H. Pylori”. É claro que os dois foram ridicularizados na época; suas palestras e comunicações eram motivos de chacotas e risos. No entanto, do ceticismo inicial – a ponto de nenhuma revista ligada a medicina ter aceitado os seus trabalhos-, hoje, após uma lenta e difícil batalha, tratamos os ulcerosos não mais com cirurgia e sim com anti bióticos.
            Veja caro leitor, como as verdades cientificamente comprovadas na medicina são sólidas... O que ontem era lei, hoje é lixo; o que hoje é ridicularizado, amanhã pode ser lei. Portanto, a pergunta agora não é mais “Que é verdade?”, mas sim, “Quem está com ela, com a verdade?”. Os devoradores de artigos médicos? Os professores universitários assoberbados de conhecimentos, capazes de ler toda a biblioteca de Alexandria, mas incapazes de saber o significado da palavra AMOR? “Os arrogantes que acham que só têm um ponto de vista que vale: o dele?” Quem?! Por favor, se alguém souber quem é o dono da verdade, envie o nome para meu o e-mail (edilsonpinto@uol.com.br), pois adorarei conhecê-lo.
            Afinal, por saber tão pouco - aliás, assim como Sócrates: “Só sei que nada sei!”-, só sei que entre o céu e a terra há mais mistérios do que pode imaginar a nossa vã filosofia, como alertava Shakespeare. Mistérios, que estão além do nosso alcance, da nossa limitada consciência. Mistérios, que não explicam como um doente pode melhorar apenas com um bom dia, com um aperto de mão, com uma música ou livro lido na sua cabeceira. Mistérios, citados no artigo do Dr. Sigwart Ulrich, publicado na revista Science, mostrando que doentes operados de vesícula se recuperavam melhor quando a janela do seu quarto hospitalar abria para um bosque, ao invés daqueles cuja janela dava para um estacionamento... Mistérios!
            Não é à toa, caro leitor, que o julgamento de Hipócrates inicia-se assim: “Juro por Apolo Médico, por Esculápio, por Higéia, por Panacéia e por todos os deuses e deusas, tomando-os como testemunhas...”. Ele sabiamente percebeu que a fé, a crença, é algo tão importante quanto um bisturi ou um quimioterápico poderoso... Por isso que o Dr. Lown, aquele que ganhou o prêmio Nobel da Paz, certa vez disse: “A melhor c ura será aquela que casar a arte com a ciência, quando o corpo e espírito forem examinados juntos”.
Francisco Edilson Leite Pinto Junior
Professor, médico e escritor



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