terça-feira, 6 de novembro de 2012

UM CONTO DE DOR, AMOR E ALEGRIA: Reflexões de um médico em formação

“A tenda está posta, a cadeira está vazia, venha contar o seu conto de amor, dor e alegria”... É com essa frase que somos convidados a contar a nossa história na Tenda do Conto, a história escondida atrás do objeto que trouxemos para a reunião.

A Tenda, que tem por objetivo prover o autoconhecimento, é um instrumento desenvolvido por profissionais de saúde de Natal. A metodologia é simples: um círculo (todos os bons momentos de aprendizado se dão em círculos), uma cadeira confortável e uma mesa com os objetos trazidos pelos participantes.

Passei uma semana matutando: que objeto levaria para o encontro? que história compartilhar? Eis o que vamos começar a contar a você, amigo leitor...

Meu objeto é o livro A morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstoi. Existe uma dedicatória na primeira página deste livro, de alguém que não conheço: “Ao abençoado estudante de medicina, a minha contribuição para a sua formação humanística”. De fato, esse livro mudou a minha vida.

Duas semanas antes de participar da tenda do conto, vinha passando visitas acadêmicas em um hospital de nossa capital. O paciente já vinha há meses internado, sem diagnóstico preciso e sem melhora do estado geral. Enquanto estudante responsável pelo leito, comecei a propor mudanças junto ao professor, às vezes acatadas, outras vezes não. Muitos dias perdi meu horário de almoço lendo e relendo o prontuário, os exames, os livros. Os resultados, na maioria das vezes, eram frustros.

No começo das visitas percebi que o paciente não me dava muito crédito, afinal eu era mais um estudante que o medicaria por duas semanas e que iria embora (admito que pensei a mesma coisa). Mas a vida nos prega peças, e algumas daquelas pequenas mudanças começaram a surtir efeito. Não descobri a doença que o acometia, mas o paciente passou a sentir menos cansaço, menos vômitos, menos dor abdominal. Até que um dia ele foi capaz de tomar banho de chuveiro e pentear-se sozinho (uma coisa banal no nosso dia-a-dia, mas que deu um novo semblante ao rosto do meu amigo paciente).


Foi justamente nesse dia que tive que me despedir do paciente, o estágio acabara, e no outro dia já estaria em outro hospital da cidade. O paciente respirou fundo e falou, com uma sinceridade que vi poucas vezes antes na vida, que não queria que eu fosse embora, que estava se sentindo melhor. E com os olhos marejados disse: “Doutor, não vá embora. Sabe por quê? Porque eu vou sentir saudades”.
Na mesma hora lembrei-me de uma frase citada pelo oncologista Rogério Brandão: “Saudade é o amor que fica!”, e entendi o seu real sentido. O choro foi inevitável.

O que tem a ver o livro com minha história? A sinceridade. Aprendi , há três anos, com Tolstoi que o mais importante para o paciente é a verdade, mesmo que seja dura, é o que queremos ouvir. E foi assim que agi durante aquelas duas semanas.

O poeta Mário Quintana nos diz que “a vida é breve, e o amor mais breve ainda...”. Ainda bem que existe Saudade!

E você, caro leitor, qual o seu conto de amor, dor e alegria?

Bruno Pessoa
Estudante do 11° período de Medicina da UnP  

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