quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

III encontro




O Escafandro e A Borboleta não é um filme para claustrofóbicos. Se uma cela solitária de presídio causa uma agonia mesmo em pessoas que não tem medo de lugares fechados, imagine o quanto de sofrimento não gera ser prisioneiro de seu próprio corpo.


É esta a situação em que se encontra Jean-Dominique Bauby, mais especificamente a Síndrome de Locked-In. Para se ter uma idéia, a sensação que o acometia era a de um mergulhador, preso a uma roupa de escafandro, que se vê sem ar e é incapaz de qualquer movimento para se livrar daquela situação. Sua mente, pensamentos, percepção estão perfeitos, mas seu corpo é incapaz de se movimentar, exceto o olho esquerdo, que teve os movimentos preservados.


E é através do olho esquerdo que ele se conecta com o mundo. Uma piscada para “sim”, duas para “não”. Mas isto é insuficiente, ele só responderia às pessoas, não se expressaria. Então, a equipe decide aplicar um sistema de conversação baseado em alfabeto pela freqüência de uso. Sua primeira frase: “Quero morrer”. Para sua fonoaudióloga isso era desrespeitoso, obsceno. Logo ela que estava se esforçando tanto para dar mais autonomia a Jean.


Mas sua imaginação e memória não estavam paralisadas. Jean decide “parar de ter pena de si mesmo”. Lembra-se de um contrato com uma editora e decide publicar o livro assim mesmo. Com certeza seria um exercício de paciência, mas eles tinham a pessoa certa. Sua idéia original para um livro seria uma nova versão para O Conde de Monte Cristo. Mas sua nova situação o leva a escrever o livro homônimo ao filme (e que deu origem a este).


Em um dos trechos do livro ele escreve: “Hoje sinto que minha vida é uma série de frustrações”. No filme, esta frase associa-se a uma seqüência de imagens de geleiras desprendendo-se e desabando. Ora, este conjunto causa uma introspecção em quem assiste ao filme, o que nos leva a pensar que a nossa vida também seria isso. Ora, por que um homem bem sucedido, respeitado jornalista editor da Elle, que tinha o poder de levar para a cama a mulher que desejasse, não via sentido para sua vida? “Nós somos responsáveis pelas pessoas que cativamos”, não é o sucesso profissional ou pessoal que nos garante a felicidade plena, mas a capacidade de mantermos relacionamentos consistentes com as pessoas que nos amam, mas não era isso que Jean valorizava: abandonou a mãe de seus filhos e, de certa forma, a eles também. Ah, o nosso egoísmo!


Mas o nosso protagonista tinha quem olhasse por ele. A primeira a visitá-lo no hospital foi exatamente a ex-mulher, Céline (ou mãe de seus filhos, como ele preferia chamá-la). O segundo a visitá-lo, Pierre Roussein, um amigo a quem cedeu lugar num vôo que acabou sendo seqüestrado. Jean nunca ligou para ele depois que soube que saíra do cativeiro, mesmo assim Pierre estava lá, pronto para compartilhar a dor de ter sua liberdade tomada. Este mesmo senhor, ao final da visita disse algo interessante: “Agarre-se o mais rápido possível ao humano dentro de você e sobreviverá”. Pierre classificava vinhos dentro da minúscula adega que lhe servira como cativeiro (uma evidência científica de que o álcool é capaz de prolongar a vida). Jean tinha a memória e a imaginação de humano dentro de si, isso o motivou a escrever o livro. Será que a visita do velho amigo foi decisiva? O terceiro a visitá-lo foi um amigo que dizia ser péssimo em visitas, mas sempre esteve lá.


Seu meio de “contato com o mundo” era um telefone com viva – vós, por meio do qual se comunicava com as pessoas sempre através de um intermediador (talvez se já existisse a tecnologia 3G esse aparelho não proporcionaria cenas tão emocionantes). Numa dessas cenas, o pai de Bauby (Papinou) tenta manter um diálogo com o filho, mas era impossível para ele conseguir lembrar-se o que queria falar, pois como a o processo de demência corroia-lhe a memória. Aquela conversa foi dramática, emocionando inclusive aqueles que têm ressentimento com seus pais. Ah... a aprovação dos pais! Como disse Bauby: “somos todos crianças. Precisamos de aprovação”.


A conversa com o pai foi dramática, mas a conversa com Inés, sua atual companheira , transcendeu os limites desse adjetivo. O “amor de sua vida” não tivera coragem de visitá-lo um dia sequer, mas a ex-mulher esteve sempre presente. Num desses golpes que o destino costuma dar, a única pessoa que poderia intermediar conversa telefônica entre Inés e Jean era justamente Céline, a ex-mulher. Era inevitável, ela teria que presenciar e participar da conversa que mais evitara na vida. E assim ela escutava as desculpas que Inés dava por não ter coragem de visitar Jean e não queria vê-lo naquele estado, enquanto Céline estava ali o tempo todo. Mesmo assim Bauby esperançoso da misericórdia de seu grande amor diz: “Todo dia eu espero”. Isso partiu o coração de Céline, confesso que o meu também.


Para não estender essa resenha, finalizo lembrando a imagem final do filme: aquelas mesmas geleiras reerguem-se e dão à cena um ar de ordem, beleza e tranqüilidade. Certamente, nossas
vidas não são apenas uma série de frustrações.


Bem, a resenha desse filme resume o que foi a reunião do A.M.A.R.T.E. em 30/12/2008. Não contamos com a presença do professor Edilson, mas tivemos a alegria de somar mais um participante Antônio Helbert (Beto). Estiveram presentes: Ariadne, Bruno Pessoa, Emily, Thiago, Ana Hélbane, Fernando Filho, Sérgio e Antônio Helbert. Ah, vale lembrar que a última reunião do ano foi realizada na casa de Ana Hélbane (a torta estava muito boa!).

Um comentário:

  1. Não estava presente nesse dia, mas tive o prazer de poder assistir esse filme agora.

    Gostaria de dizer que a tempos que não assistia filmes tão bons quanto esse, gosto de filmes que fazem nos colocar no lugar dos seus personagens.

    Finalizo dizendo que essa pessoa, mostrou que estar preso sem movimento, não significa que suas idéias morreram, assim, mesmo sem os movimento somos capazes de produzir...Esse filme lembrou muito "Mar adentro", claro que com focos diferentes, mas me fizeram ter o mesmo sentimento, as mesmas reflexões...

    Recomendo ambos os filmes citados acima.

    Por:Gabriela Dantas de Santa Cruz

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